Era uma vez um menino chamado Ticco, de sete anos, que morava numa vila chamada Solara, onde o sol brilhava quase todos os dias, os pássaros cantavam nas manhãs e as árvores faziam sombra fresca nas tardes quentes.
Mas Ticco não via nada disso. Porque ele reclamava de tudo.
Se o pão estava quente, ele dizia que podia queimar a língua.
Se estava frio, dizia que ia pegar gripe.
Se ganhava um brinquedo novo, achava defeito.
Se tinha que ajudar em casa, resmungava por horas.
— “Ahhh, tudo sempre tão chato!” — dizia, jogando os braços pro alto.
Seus pais tentavam conversar com ele, seus amigos tentavam animá-lo, mas nada adiantava. Ticco achava que nada estava bom o suficiente.
Certo dia, ao acordar, Ticco reclamou da claridade da janela, do gosto do leite, da temperatura da água do banho e até do barulho dos passarinhos. Ele resmungou tanto que uma coisa estranha aconteceu.
Um vento azul e rodopiante entrou por debaixo da porta do quarto, deu três voltas ao redor de Ticco e sussurrou:
— “Aquele que só vê o que está ruim, precisa visitar o lugar de onde vêm os resmungos…”
Antes que pudesse dizer “hein?”, Ticco foi sugado pelo vento, que parecia gelado e quente ao mesmo tempo. Quando abriu os olhos, estava num lugar que nunca tinha visto.
Era um lugar cinza, nublado e abafado, com casas tortas e árvores que pareciam suspirar de cansaço. Havia placas por toda parte com frases como “Nada está bom”, “Reclame e será ouvido”, “Sorrir é perda de tempo”.
Um velho de barba feita de fumaça apareceu e disse:
— Bem-vindo ao Reino dos Resmungões, pequeno visitante.
— Hã? O que é isso? Onde estão as cores? Cadê o céu azul?
— Ah, aqui as cores sumiram faz tempo — disse o velho. — Cada vez que alguém reclama sem razão, um pouco da cor do mundo se perde. E você… trouxe uma boa carga pra cá.
Ticco olhou ao redor. As pessoas tinham caras amarradas. Algumas murmuravam coisas como “ninguém me entende”, “essa cadeira é dura demais”, “por que o chão é tão chão?”.
Ele tentou sair, mas o velho avisou:
— Só sai do Reino dos Resmungões quem descobrir como mudar o próprio olhar.
Ticco passou o dia por lá. Tentou fazer amizade com uma senhora sentada na praça, mas ela reclamava do banco. Um menino jogava bola e resmungava porque a bola era muito redonda. Até a chuva caiu e escutou-se um trovão resmungando: “Sempre tenho que aparecer no final…”
No segundo dia, Ticco começou a perceber o peso daquilo tudo. Seu corpo ficou lento. Até sua voz soava irritada. Ele quis cantar, mas a música parecia triste ali.
Na terceira noite, deitado num colchão que reclamava quando alguém deitava (“ai, que peso!”), Ticco chorou baixinho.
— Eu quero voltar pra casa… Quero ver o céu azul, brincar com meus amigos, tomar leite com chocolate…
Foi então que uma coisinha minúscula, brilhante como um vaga-lume cor-de-rosa, pousou em seu nariz. Era Leli, uma Faísca de Alegria Perdida.
— Oi! Eu sou uma lembrança boa. Escapuli de dentro de você quando começou a reclamar demais. Mas você me chamou de volta agora.
— Eu chamei?
— Sim. Quando você pensou no que gostava, em vez de só no que não gostava, sua luz voltou a brilhar um pouquinho.
Ticco então sentou na cama e começou a se lembrar do que amava: a gargalhada do seu pai, o cheirinho do pão com manteiga da vovó, a brisa que bagunçava seu cabelo quando corria na rua…
Leli ficou maior, e outras faíscas começaram a aparecer, iluminando o quarto.
Na manhã seguinte, Ticco acordou diferente. As nuvens ainda estavam lá, mas ele decidiu caminhar até a praça e disse bom dia a um gato, que nem respondeu. Mas Ticco sorriu mesmo assim. A senhora do banco torceu o nariz, e Ticco respondeu:
— “O banco pode ser duro, mas olha só as folhas caindo, que bonito!”
E algo incrível aconteceu. A folha caiu no chão… colorida.
Ticco então correu pela cidade, dizendo coisas boas, notando as pequenas belezas, sorrindo para o que antes ignorava. E por onde ele passava, um pouco da cor voltava.
O velho da barba de fumaça apareceu novamente.
— Parece que você entendeu.
— Entendi que a gente sempre vai ter coisas chatas, mas se só olhar pra isso, o mundo fica cinza.
— E aí, quer voltar pra casa?
Ticco nem pensou duas vezes.
O vento azul reapareceu, só que agora cheio de faíscas coloridas, e levou Ticco de volta.
Ele acordou na sua cama. O leite ainda estava um pouco morno. O sol ainda batia no rosto. Os passarinhos ainda cantavam bem alto.
Mas Ticco não reclamou.
Sorriu. Levantou. E disse:
— “Hoje eu vou procurar o que tem de bom.”
Desde então, ele ainda reclamava às vezes — afinal, ninguém é perfeito —, mas sempre tentava ver o outro lado. E quando seus amigos começavam a resmungar muito, ele contava a história do Reino dos Resmungões.
E dizia:
— Cuidado… se reclamar demais, o vento azul vem te buscar!
Mas dizia com um sorriso, claro. Colorido como o mundo deve ser.
Fim.